O avanço do Projeto de Decreto Legislativo 784/17 na Câmara dos Deputados marca um passo decisivo na defesa dos pacientes contra práticas abusivas das operadoras de saúde. A proposta, aprovada pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, elimina a exigência de junta médica ou odontológica para decidir sobre a cobertura de um procedimento quando há divergência entre o plano de saúde e o médico assistente.
A medida corrige uma distorção criada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que, sob o pretexto de dar “transparência” e “agilidade” ao processo, instituiu a obrigatoriedade das juntas. Na prática, esse mecanismo se transformou em um obstáculo burocrático, frequentemente utilizado para negar cobertura e atrasar tratamentos urgentes.
A centralidade do médico assistente
O Judiciário brasileiro já consolidou entendimento no sentido de que a prerrogativa de prescrever o tratamento é do médico que acompanha o paciente. É ele quem conhece o histórico clínico, avalia a evolução da doença e define a melhor terapêutica. Interpor a decisão de uma junta formada por profissionais indicados – direta ou indiretamente – pela própria operadora de saúde significa subverter a lógica da relação médico-paciente e enfraquecer a autonomia clínica.
Tribunais têm reiteradamente rejeitado tentativas das operadoras de substituir a decisão do médico assistente. O Superior Tribunal de Justiça, em diversos precedentes, tem reafirmado que cabe ao profissional que acompanha o paciente definir o tratamento, cabendo à operadora apenas cumprir a cobertura contratual, sob pena de colocar em risco a própria vida do beneficiário.
O viés econômico-financeiro da junta médica
A experiência prática revelou que as juntas médicas raramente funcionam como instâncias técnicas de mediação. Em vez disso, converteram-se em instrumentos de economia para as operadoras. Não por acaso, a esmagadora maioria das decisões favorece a negativa de cobertura, mesmo diante de relatórios médicos detalhados e prescrições claras.
O resultado é perverso: pacientes crônicos têm tratamentos interrompidos; idosos são forçados a recorrer ao SUS, mesmo pagando caro por planos privados; e famílias enfrentam judicialização desnecessária para ter acesso a terapias já contratadas. Trata-se de uma política de exclusão travestida de gestão, como já denunciam análises recentes sobre a lógica de “combate à fraude” utilizada pelas operadoras.
O Congresso em sintonia com a sociedade
Ao aprovar o fim da exigência da junta médica, o Congresso se alinha à realidade concreta enfrentada pelos beneficiários e ao entendimento majoritário da jurisprudência. O relator do projeto, deputado Cabo Gilberto Silva, foi preciso ao afirmar que impor esse modelo obrigatório por via regulamentar “fragiliza a proteção ao beneficiário e a autoridade clínica do médico assistente”.
Mais do que uma disputa regulatória, trata-se da afirmação de um princípio básico: o direito à saúde não pode ser submetido a filtros burocráticos criados para proteger o caixa das operadoras. A vida do paciente não pode esperar pareceres padronizados que, em sua essência, servem apenas para reduzir custos.
O fim da exigência de junta médica representa não apenas uma vitória legislativa, mas uma reafirmação de valores constitucionais: dignidade da pessoa humana, boa-fé contratual e prevalência da ciência médica sobre os interesses financeiros.
É hora de reconhecer que combater fraudes não pode ser confundido com punir pacientes. A integridade do sistema depende de contratos cumpridos, transparência nas relações e respeito à autonomia clínica. Nesse contexto, a decisão do Congresso deve ser saudada como um avanço civilizatório contra a burocracia abusiva e em defesa da saúde como direito fundamental.















