Na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, que os planos de saúde podem ser obrigados a cobrir tratamentos fora do Rol da ANS, desde que respeitados cinco critérios técnicos.
Em tese, a decisão buscaria equilibrar o direito dos pacientes com a sustentabilidade do setor privado de saúde. Na prática, porém, os critérios definidos pelo STF deixam margens que continuam a empurrar milhares de famílias para a Justiça.
Vamos entender os pontos mais delicados.
Os cinco critérios fixados pelo STF
De acordo com o julgamento da ADI 7265, os planos de saúde devem custear tratamentos não previstos no Rol da ANS quando:
1. O tratamento for prescrito por médico ou odontólogo assistente;
2. Não tiver sido expressamente negado pela ANS nem estiver em análise para inclusão;
3. Não houver alternativa terapêutica adequada já incluída;
4. Existir comprovação científica de eficácia e segurança;
5. O tratamento estiver registrado na Anvisa.
À primeira vista, parece uma fórmula equilibrada. Mas, ao examinar mais de perto, surgem problemas sérios.
O NATJUS e a fragilidade técnica das opiniões
O STF citou como referência a experiência do SUS com o Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário (NATJUS), criado para subsidiar decisões judiciais.
Aqui está um primeiro problema: os pareceres do NATJUS, na prática, não identificam quem é o médico que opina nem sua especialidade. Muitas vezes, o relatório é assinado genericamente pelo núcleo, sem clareza sobre se o profissional tem experiência na área clínica em questão.
Como confiar que uma opinião anônima, sem transparência técnica, deva se sobrepor à prescrição do médico que acompanha o paciente, conhece seu histórico e é responsável por sua vida? O critério, em vez de reduzir conflitos, tende a gerar ainda mais disputas judiciais sobre a validade desses pareceres.
A espera pela análise da ANS: burocracia que não salva vidas
Outro ponto delicado é o critério que impede a cobertura se o procedimento estiver em processo de análise pela ANS.
Na vida real, isso significa que um paciente com câncer, por exemplo, pode ter que aguardar meses (ou anos) até que a agência reguladora finalize sua avaliação. O problema é que a doença não espera a burocracia. A cada dia, o atraso compromete chances de cura ou sobrevida.
Esse critério cria um paradoxo cruel: justamente quando há forte evidência científica e pressão social para incluir um tratamento no Rol, o paciente pode ficar desassistido até que a análise termine.
O enfraquecimento da prescrição médica
Também preocupa o critério que veda a cobertura quando o tratamento foi “expressamente rejeitado” pela ANS.
Esse desenho normativo esvazia a prerrogativa do médico assistente, que é quem detém o conhecimento técnico sobre a necessidade individual do paciente. O papel da ANS é definir políticas gerais de cobertura mínima, mas não pode substituir a decisão clínica personalizada.
Transformar a rejeição administrativa em barreira absoluta ignora que a medicina é dinâmica e que a própria ciência muda mais rápido do que os ciclos de atualização do Rol. O resultado é uma subordinação indevida da autonomia médica às conveniências regulatórias e econômicas.
Judicialização: por que não vai diminuir
O objetivo declarado do STF era reduzir a judicialização. Mas os critérios adotados, na prática, criam novas portas de litígio.
• Vai discutir judicialmente se a ANS está demorando demais para concluir sua análise.
• Terá que enfrentar a negativa quando a agência rejeitar a inclusão de determinado tratamento, mesmo diante da prescrição médica.
A Justiça continuará a ser chamada a decidir — agora não apenas sobre a cobertura em si, mas também sobre a interpretação dos próprios critérios.
Concluindo
A decisão do STF avança ao reconhecer que o Rol da ANS não pode ser uma barreira absoluta. Mas os critérios impostos criam obstáculos que, em vez de proteger os pacientes, reforçam a burocracia e fragilizam a palavra do médico assistente.
Enquanto isso, famílias continuam sem resposta rápida para garantir tratamentos essenciais. A vida real dos pacientes não cabe em listas nem aguarda pareceres administrativos.
A promessa de reduzir a judicialização dificilmente se cumprirá. Pelo contrário: tudo indica que os tribunais seguirão sendo o caminho de muitos para assegurar o básico — o direito à saúde e à vida.















